Células-Tronco

Joanne Kurtzberg concede uma entrevista exclusiva para o Blog da CordVida

Entrevista gentilmente concedida para a CordVida durante o mais recente congresso do setor, Cord Blood Connect, EUA, setembro 2018.

Joanne Kurtzberg é professora do departamento de pediatria e diretora científica chefe do Programa de Terapia Celular da Duke University em Carolina do Norte, EUA.

Especialista internacionalmente renomada em hematologia/oncologia pediátrica, transplante pediátrico de sangue do cordão e medula óssea e suas novas aplicações no campo da terapiada celular e medicina regenerativa.

1. Que balanço você faz do 30º aniversário do 1º transplante de sangue do cordão umbilical e como vê o futuro?

É impressionante pensar em trinta anos atrás e no que fizemos desde o primeiro transplante até hoje. Isso não quer dizer que não tenhamos muito o que fazer e que ainda precisemos trabalhar muito.

Houve mais de 40 mil transplantes. Agora existem centenas de bancos de armazenamento e muito mais conhecimento sobre como utilizar o sangue do cordão umbilical. Estamos vislumbrando um novo horizonte em que vamos dar um passo na direção da medicina regenerativa, onde o potencial do sangue e do tecido do cordão umbilical passarão a ser uma realidade na próxima década. Assim espero. Acredito que o sangue do cordão umbilical como fonte de células para o transplante de células hematopoéticas provavelmente ficará estável, pois é um procedimento maduro. Mas, por outro lado, o sangue do cordão umbilical como fonte de células para a medicina regenerativa e terapia celular está em sua infância e seu papel pode explodir nos próximos 5 ou 10 anos.

2. Que inovações científicas você considera promissoras para melhorar a utilização de transplante de sangue do cordão umbilical?

O trabalho que está sendo feito com a expansão ex-vivo de células-tronco e de células progenitoras é muito animador. Já existem 4 ou 5 tecnologias que funcionam clinicamente e espero que pelo menos elas se tornem licenciadas e disponíveis para uso clínico de rotina. Meu palpite é que isso aconteça nos próximos 3 a 4 anos. Estamos vendo tecnologias que fazem a pega da medula ocorrer em uma semana ao invés de quatro.  Isso é muito valioso para o paciente, pois reduz o custo e os riscos associados ao transplante. Acho que isso permitirá que mais unidades de sangue do cordão sejam usadas rotineiramente como fonte preferencial para transplantes de medula, em oposição à escolha de um doador compatível.

3. No campo da medicina regenerativa, que áreas de pesquisa com o sangue do cordão umbilical parecem promissoras para você?

Eu tenho um pouco de conflito para responder a essa pergunta, pois acredito muito em nosso próprio trabalho na Duke usando o sangue do cordão como remédio, não como um transplante, mas numa infusão onde as células realmente têm a capacidade de reparar o cérebro e outros tipos de tecidos danificados. Estamos pesquisando o tratamento para acidente vascular cerebral em adultos, autismo e paralisia cerebral em crianças.  Usamos essa fonte para ajudar o cérebro. Outros centros estão fazendo trabalhos para o tratamento de diabetes tipo 1, na área da ortopedia, insuficiência cardíaca e insuficiência pulmonar em adultos.

O nosso trabalho já conseguiu mostrar que os monócitos do sangue do cordão são células terapêuticas muito potentes, que liberam muitas citocinas que diminuem a inflamação e estimulam o reparo dos tecidos. O sangue do cordão umbilical é uma ótima fonte de células para imunoterapia. Você pode produzir células NK (natural killer), células CAR-t (receptor de antígeno quimérico), células T citotóxicas e outros tipos de células imunológicamente efetivas vindas do sangue do cordão e, no momento, ninguém está aproveitando isso de maneira clínica. Mas acredito que os produtos podem ser produzidos e usados ​​de forma alogênica, derivados do próprio sangue do cordão, para tratar câncer e para serem usados em outros tipos de imunoterapia.

O sangue do cordão umbilical como fonte de células para a medicina regenerativa e terapia celular está em sua infância e seu papel pode explodir nos próximos 5 ou 10 anos.

4. Como explicar como as células do sangue do cordão umbilical podem contribuir para tratar um cérebro danificado?

Sabemos apenas parte da resposta à essa pergunta. Quando as células do sangue do cordão umbilical são usadas em um transplante, um número muito pequeno de células ali são células-tronco sanguíneas e elas literalmente crescem na medula óssea danificada e substituem as células danificadas. Mas quando olhamos para o sangue do cordão como uma fonte de células para o tratamento do cérebro, estamos falando de células diferentes. Acredito que são os monócitos que são capazes de entrar no corpo e permanecer em lugares como o baço e o pulmão e, a partir de lá, liberar de substâncias químicas que influenciam as células do cérebro a serem reparadas. Então, é como um efeito triplo.

5. O que acha do potencial terapêutico das células-tronco mesenquimais, como as células do tecido do cordão umbilical?

Elas são muito mais inteligentes do que uma droga seria, pois elas podem reagir à uma determinada situação e produzir muitos tipos diferentes de reações químicas, dependendo ao que forem expostas. Também são seguras e não precisam de compatibilidade. Assim, é possível produzir grandes quantidades e usar essas células por longos períodos de tempo.  Além de poder oferecer aos pacientes múltiplas doses, o que acredito que será importante, certamente, em doenças como autismo e talvez até na área ortopédica.

6. Quais ensaios clínicos a Duke está conduzindo atualmente para estudar o sangue do cordão umbilical para tratar distúrbios neurológicos, você ainda está recrutando pacientes e quais são os planos para novos testes em 2018/2019?

Estamos conduzindo vários estudos atualmente.

Temos um ensaio clínico de fase II para acidente vascular cerebral, que é um ensaio clínico randomizado, comparado com placebo, em adultos recebendo sangue do cordão umbilical não compatível, e que está aberto em seis centros nos EUA. Estamos recrutando, mas apenas desses centros. Espera-se que esse estudo seja concluído em cerca de 18 meses. Dependendo dos resultados, passaremos para a fase III.

Para autismo, nós completamos o ensaio clínico (fase II – eficácia) usando sangue de cordão autólogo, mas ainda não temos os resultados. Foi um estudo randomizado entre sangue de cordão umbilical autólogo, sangue de cordão de doador e placebo para tratar crianças com autismo. Os resultados estarão disponíveis em algumas semanas e se forem positivos, levaremos isso para a fase III como um teste registrado no FDA. Também estamos testando o uso das células-tronco do tecido do cordão umbilical de doadores para o tratamento de autismo. Concluímos a fase I (segurança) do ensaio clínico e estamos abrindo um ensaio randomizado de fase II (eficácia). O processo de randomização dos pacientes será a comparação entre uma dose versus três doses ao longo de um período de seis meses. Estamos querendo saber se uma dose grande poderia ser tão eficaz quanto três doses menores. Esse ensaio clínico será aberto no próximo mês e recrutará 60 pacientes. Levará de um ano a quinze meses para terminar e então entraremos na fase III, assumindo que vemos atividade.

7. Como a pesquisa para paralisia cerebral evoluiu? Você completou a fase II e qual é o próximo passo?

Já iniciamos o ensaio clínico fase II randomizado com células de doadores.  Estamos recrutando agora e terminamos de recrutar em dezembro ou janeiro de 2019. Estamos comparando o uso do sangue do cordão de um doador em uma dose alta, com o uso do célula-tronco mesenquimal de tecido do cordão de um doador, como uma amostra de crianças usadas como controle.  Esse estudo está em andamento agora.Para o autólogo, terminamos a fase II. Estamos indo para o FDA com a esperança de que eles não nos façam um pedido de obtenção de uma licença formal. Eu não sei como isso vai acontecer. Mas vamos fazer um ensaio de fase III de qualquer maneira.  Isso é financiado e planejamos abrir esse ensaio provavelmente no ano que vem.

Amostras de bancos acreditados têm melhor desempenho terapêutico, foram submetidas a testes mais confiáveis e foram processadas com melhor qualidade.

8. Como os pais devem proceder caso precisem inscrever seus filhos em um dos ensaios clínicos de Duke ou outros procedimentos de acesso expandido?

Nos ensaios clínicos, todos os custos dos testes são pagos pelo estudo e as crianças têm de comparecer para testes e tratamento com base na programação do estudo. No modelo de acesso expandido, a família ou a seguradora paga pelo custo do tratamento. Mas eles não pagam pelo sangue do cordão umbilical porque já pagaram por isso quando o armazenaram em um banco. O número de tratamentos que eles recebem depende de quantas células estão no sangue do cordão. Para a maioria das crianças, é um tratamento. Eu tenho que ser honesta e dizer que temos centenas de famílias em uma lista de espera que querem vir. Nós estamos trabalhando tão rápido quanto podemos e também pressionando Duke para conseguirmos mais leitos.

9. Qual é a sua opinião sobre os bancos de sangue do cordão privados que têm sua qualidade acreditada?

Primeiro de tudo, eu acho que a qualidade é crítica.  Como você alcança essa qualidade e como você mede isso, não é exatamente o mesmo processo em todos os países. A acreditação é uma maneira de colocar um selo em um banco e dizer: “sim, eles passam pelos padrões mínimos exigidos para se ter uma instalação de qualidade”, dessa forma, acho que a acreditação é muito importante. Como médica que escolhe amostras de sangue do cordão umbilical para transplante, sei que, em geral, amostras de bancos acreditados têm melhor desempenho terapêutico, foram submetidas a testes mais confiáveis e foram processadas com melhor qualidade. O que significa que quando você descongela essa amostra, ela funciona melhor. Então, acho que a acreditação é muito importante sim.

Primeiro de tudo, eu acho que a qualidade é crítica.  Como você alcança essa qualidade e como você mede isso, não é exatamente o mesmo processo em todos os países. A acreditação é uma maneira de colocar um selo em um banco e dizer: “sim, eles passam pelos padrões mínimos exigidos para se ter uma instalação de qualidade”, dessa forma, acho que a acreditação é muito importante. Como médica que escolhe amostras de sangue do cordão umbilical para transplante, sei que, em geral, amostras de bancos acreditados têm melhor desempenho terapêutico, foram submetidas a testes mais confiáveis e foram processadas com melhor qualidade. O que significa que quando você descongela essa amostra, ela funciona melhor. Então, acho que a acreditação é muito importante sim.

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10. Está provado que o banco de sangue do cordão umbilical familiar ou privado tem sua utilidade comprovada como uma fonte de transplante entre irmãos?

Sim. Para o tratamento de doenças que tradicionalmente utilizam o transplante de medula como: leucemia, talassemia, anemia falciforme, imunodeficiência, insuficiência da medula óssea e as outras doenças metabólicas, se você tem um doador irmão, com uma dose grande o suficiente de células e que não tem a doença que a criança que está sendo transplantada, esse é o melhor doador. Na verdade, se você tiver a sorte de ter sangue do cordão umbilical em comparação com a medula óssea do mesmo irmão, o transplante de sangue do cordão umbilical é melhor do que o transplante de medula óssea, porque o sangue do cordão causa menos complicações como a doença do enxerto contra o hospedeiro (GVHD). Mesmo quando há compatibilidade total entre irmãos. Portanto, há uma vantagem em ter sangue do cordão nessas situações. Para paralisia cerebral e autismo, nós ainda não sabemos. Nós teremos essas respostas em alguns anos.

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